09/07/2013

Novamente o Alvim, novamente o Amor


O amor tem de saber a mar 

 
O amor bem que podia ser vendido no mercado da ribeira. Pela manhã, no meio de frutas e legumes, alguém gritaria por entre os cestos " olha o amor fresquinho! E embevecidos por isto, os fregueses abeiravam-se da banca e iam pedindo o que lhes faltava. Era um quilo de amor, se faz favor. Queria duzentos gramas para levar para a minha filha se não se importa! Olhe se for fresco - é fresquinho não é? - levo já umas duas doses. E todos sairiam do mercado cheios de amor, entranhado na pele, na roupa, nos lençóis da cama. O amor quer-se fresco, tal qual o peixe na lota. O amor tem de saber a mar, a terra húmida depois da chuva, a leite do dia à porta de casa. O amor tem de ser também do dia porque, se assim não for, acontece-lhe o mesmo que à manteiga quando está há muito tempo no frigorífico: fica rançosa. E o amor não se quer rançoso - não quer não - e por isso quem ama ou já amou ou ainda virá a amar mas ainda não sabe disso, facilmente saberá que mesmo nos dias de maior calor, o amor - tal como o fogo - não pode nunca ser congelado. Quando muito pode extinguir-se, apagar-se com umas mangueiradas de água, agora congelar para servir mais logo, não creiam nisso. O amor quer-se de vez e quando se dá, vai por ali a eito, lavrando encostas, galgando montes, galopando por entre os cabelos. O amor é um incêndio que os bombeiros não conseguem controlar. E quando o chefe da corporação diz que ele não está circunscrito, para mim é sobre o amor que fala em forma de fogo. O amor é um incêndio sim, incontrolável sim, se verdadeiro, nunca será circunscrito.
Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

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