O amor tem de saber a mar
O amor bem que podia ser vendido no mercado da ribeira. Pela manhã, no
meio de frutas e legumes, alguém gritaria por entre os cestos " olha o
amor fresquinho! E embevecidos por isto, os fregueses abeiravam-se da
banca e iam pedindo o que lhes faltava. Era um quilo de amor, se faz
favor. Queria duzentos gramas para levar para a minha filha se não se
importa! Olhe se for fresco - é fresquinho não é? - levo já umas duas
doses. E todos sairiam do mercado cheios de amor, entranhado na pele, na
roupa, nos lençóis da cama. O amor quer-se fresco, tal qual o peixe na
lota. O amor tem de saber a mar, a terra húmida depois da chuva, a leite
do dia à porta de casa. O amor tem de ser também do dia porque, se
assim não for, acontece-lhe o mesmo que à manteiga quando está há muito
tempo no frigorífico: fica rançosa. E o amor não se quer rançoso - não
quer não - e por isso quem ama ou já amou ou ainda virá a amar mas ainda
não sabe disso, facilmente saberá que mesmo nos dias de maior calor, o
amor - tal como o fogo - não pode nunca ser congelado. Quando muito pode
extinguir-se, apagar-se com umas mangueiradas de água, agora congelar
para servir mais logo, não creiam nisso. O amor quer-se de vez e quando
se dá, vai por ali a eito, lavrando encostas, galgando montes, galopando
por entre os cabelos. O amor é um incêndio que os bombeiros não
conseguem controlar. E quando o chefe da corporação diz que ele não está
circunscrito, para mim é sobre o amor que fala em forma de fogo. O amor
é um incêndio sim, incontrolável sim, se verdadeiro, nunca será
circunscrito.
Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
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