Ontem.
Ontem, dia das maravilhas, dia de cansaço.
Ontem... Vi risos, vi sorrisos, vi cara zangadas, aceitei desculpas, pedi desculpas.
Ontem, calor de me fazer desejar estar na praia. Na minha praia.
Ontem.
Estive com amigos que me perguntam realmente como estou. Que sabem ver o que tenho, que sabem o que dizer. Que dizem isso mesmo. Mas eu não estava com eles.
Quando estava a caminhar sozinha para perto deles algo pôs o meu coração a saltar. Algo disparou e eu não sabia o que era.
Enquanto estive naquele local por mim escolhido, local bonito agradável, enquanto lá estive só queria sair, só queria desaparecer dali. Estava com sono e já nem conversava. Algo me puxava de lá para fora, como se o meu lugar não fosse ali, como se alguém me chamasse...
Cedi a este chamamento que não o era e saí.
Desculpem, mas não consigo estar mais tempo. Até amanhã. Divirtam-se.
Pelas ruas da minha cidade sabia por onde tinha de andar. Os meus pés levavam-me para onde queriam e não fui directamente para o carro... Quando a minha mente acordou, estava a fazer o mesmo caminho que há três anos tinha feito. Não dei conta. O meu coração continuava acelerado... como que com medo... mas medo de quê, pensava eu... Não me apercebi, não sabia de onde vinha todo o medo...
Só quando olhei para algo de uma maneira que só contigo tinha olhado, aí sim, o candeeiro da rua me iluminou a mente...
Há três anos tinha feito esse caminho contigo. Há três anos andámos por essas ruas. Há três anos estávamos a perder tempo a conhecermo-nos. Há três anos estivemos a começar algo que nunca se percebeu o que foi. Seduziste-me mais nessa noite do que em todo o tempo anterior a essa noite.
Conhecemo-nos aí. Soube como tu eras aí. Mas pensei que as primeiras impressões não fossem reais. Mas eram e sempre soube.
Sedutor. Assim te apresentaste. Assim o eras. Assim deves ser agora.
Não estava convencida ou seduzida, se assim o preferires, não nessa noite. Essa noite foi o início do encantamento que ainda durou algum tempo...
Ainda me lembro de ti, dos teus olhos, do teu sorriso, das tuas mãos com as minhas, das tuas mãos na minha cara, no meu cabelo... Ainda me lembro quando me chamavas Miss T... Quando me fazias rir sem parar... Quando me dizias que hoje íamos ter tempo para namorar... Quando me dizias que as nossas peles tinham de se conhecer. Quando me dizias que sentias falta do brilho dos meus olhos. Quando me dizias que estavas triste por não estares comigo...
Lembro-me que me apresentaste Pablo Neruda e que inspirado nele, penso, me mandaste um poema de tua autoria... É engraçado... querias tanto falar comigo que me enviaste um poema, porque me viste, por que já não querias falar mais comigo. Lembro-me desse dia. Lembro-me de te ver ao longe, do coração ter disparado e de pensar que talvez me tivesses visto. Lembro-me de receber o poema e antes de o abrir saber o que dizia... memórias que tento apagar e sou apanhada no meio delas...
Os meus pés levaram-me a sítios... Os meus pés fizeram-me passar nesses sítios. Há três anos estavam acompanhados. Ontem, os meus pés fizeram o caminho sozinhos.
Ontem, dia das maravilhas, dia de cansaço, lembrei-me de ti.
